terça-feira, 23 de abril de 2013



Sempre me senti mais atraído por rios do que pelo mar. Já busquei explicações para isso, e a que mais me convenceu até hoje foi a de que o mar é expansivo, é tangencial e poderoso. O rio, não. O rio se embrenha. É intimista e introspectivo, e talvez por isso mesmo sinta nele uma figura mais amigável, quase um cúmplice das viagens que sempre fiz para dentro de mim mesmo.




Por conta disso, e também por ser um apaixonado pelo Brasil e suas paisagens, pelos brasileiros e seus sotaques, pelo multiculturalismo tão característico do nosso país, decidi conhecer alguns dos nossos principais rios. Isso aconteceu no início dos anos 1990, quando eu podia tirar férias regulares do trabalho. Ia sozinho e por conta própria. Sozinho, jamais solitário.




Para a primeira dessas viagens escolhi aquele que me parecia ser o rio que sintetizava tudo que eu buscava numa viagem dessas, e não me enganei em momento algum. Embalado pela música da dupla Sá e Guarabyra e do grande Tavinho Moura, percorri quase todo o Rio São Francisco, suas cidades ribeirinhas e sua gente, suas paisagens e suas fantásticas histórias. Comecei na mineira Pirapora, a primeira cidade do antigo trecho navegável do rio, e subi até chegar na foz, em Piaçabuçu, litoral de Alagoas.




Fui de barco, de ônibus e de carona em caminhão. Da mesma forma, dormi em hotéis ou pousadas, aluguei cama em casas de família, ou mesmo só uma rede, como aconteceu em um bar já na região da foz do rio. Passei por vilas à época quase perdidas no mapa rodoviário que levei comigo. Tive contato com pessoas riquíssimas, no sentido humano da riqueza. Só não fui bem recebido em uma cidade, o que é quase nada perto de todos os tantos lugares que visitei e de onde só trouxe ótimas lembranças.



Durante essa viagem, em apenas duas oportunidades foi que desviei um pouco do curso do Velho Chico. Na primeira delas foi para dar um pulo em Montes Claros e conhecer pessoalmente o luthier e mestre da viola caipira e da rabeca Zé Coco do Riachão. O segundo desvio foi mais complexo, eu quis conhecer o sítio arqueológico da Guerra de Canudos, uma experiência que se revelou emocionante, mas que não vou incluir aqui.




Agora, deixo você com as fotos. Não há aqui nenhuma pretensão minha em querer parecer o que não sou: um fotógrafo. São apenas alguns registros que fiz dessa jornada, de pessoas, de sentimentos e cenários de um Rio São Francisco de 20 anos atrás. Uma viagem única que até hoje ecoa no que sou. E que permanecerá sempre comigo, até aquele momento decisivo em que o sempre se torna nunca mais.



                       Entre a porta da frente da casa e o rio nos fundos havia um longo e escuro corredor.





Na casa de Zé Coco do Riachão, em Montes Claros, Minas Gerais. O autógrafo era, por si só, um acontecimento. Ele grafava "Zé" e depois desenhava um coqueirinho ao lado. 




Sem dinheiro para essa linda viola feita pelo mestre, fiquei feliz por poder comprar 10 LPs autografados pelo artista, e que foram depois devidamente distribuídos entre meus amigos          de São Paulo. 




Distraídos à beira de um rio imenso.




Carro de boi, roda de carro.




Bom Jesus da Lapa, na Bahia.




Olha o passarinho! E ninguém olhou.




Carrancas e outros objetos de barro produzidos na região próxima à foz do São Francisco. Arrisquei dizer ao artesão "bonita essa carranca, hein?" E ele: "Pra quem gosta de feiura, é".




Um pra cá, outro pra lá.




Sempre elas, as carrancas do São Francisco.




A madeira mais usada pelos carranqueiros é (amo menos era) a umburana. Mais conhecida como cerejeira, é madeira nobre e macia, portanto mais fácil de ser trabalhada.




Numa barraca de feira, a abóbora parece querer fazer as vezes da mão para apoiar o queixo.




Uma senhora ponte. 




Sujeito a guincho.




Expedito, um dos melhores carranqueiros da cidade de Pirapora. Quando tomávamos umas cervejas juntos, notei que suas mãos tremiam muito, então disse a ele que devia                   procurar um médico, ao que ele retrucou prontamente "Vou, nada. Se eu for                                  ele vai me mandar parar de beber".




Pelo jeito, os preços estavam um Deus nos acuda.




Técnica passada de pai para filho.




As lavadeiras do São Francisco. O curioso efeito geométrico da foto se deveu à estrutura 
da pequena ponte de pedestres, onde me postei para fazer a foto.




Lancha de travessia numa noite particularmente fria para os padrões                                                da região de Propriá, Sergipe.




Num casarão histórico da belíssima Penedo, em Alagoas. 




Sempre elas, as lavadeiras do São Francisco.




O responsável pela cozinha do barco a vapor Benjamin Guimarães, esperando pacientemente os passageiros acordarem para o café da manhã. 




"Moça barranqueira quem é teu amor?", Cinamomo (Sá e Guarabyra)




Águas da prata.




Cedinho à bordo do Benjamim Guimarães.




As carrancas como originalmente eram colocadas nos barcos: nas proas,                                 sempre atentas para proteger a embarcação dos perigos do rio e dos monstros mitológicos     criados pela fé dos ribeirinhos. 




Outra cidade se aproxima.




Penedo, a "Ouro Preto de Alagoas".




Cena próxima à foz do rio.




Cada um pro seu lado.




Fim de uma tarde prateada.




Santuário de Bom Jesus da Lapa, Bahia.




Ficha técnica do vapor Benjamim Guimarães.




Rabeca feita por Zé Coco do Riachão repousa em sua cadeira preferida. 




Sinos adornando a embarcação.





Madeira que rio leva, rio traz. 




Preparar, apontar.




Água!




O caminho das pedras.




Então, compres.




"Farta fumaceira faz esse vapor", Cinamomo (Sá e Guarabyra)





"É mel", garantiu-me o homem.




E o Velho Chico se lança mar adentro.



Minha companheira nessa viagem foi uma câmera igualzinha à desta da foto. E ela está comigo até hoje, a câmera manual alemã PRAKTICA, fabricada entre 1979 e 1982. As fotos, como talvez você tenha notado, foram todas digitalizadas a partir do papel, por isso trazem marcas do tempo.